domingo, 8 de março de 2009

Janela em forma de fotografia

Uma janela em forma de fotografia;
É uma passagem, saída pra toda agonia;
Sem cores multicoloridas, e se for...
Como uma variante forma de torpor.

Nessa solidão pós-moderna,
Os pés sentem frio, aproximam-se:
Esfregam-se.

Sim, há na parede do quarto,
Uma fotografia em forma de janela...
É retrato, não é aquarela,
Traz a leveza quando me sinto farto.

E se por hora sentir calor...
Mas um calor intolerável!
Ah, Céus,...pedirei a ela...

Que use seu talento inefável,
E capte o frio escondido
Nas Urbes, e mostre o seu viés,
Serei direto, sem querela!

E que na parede do meu quarto
Pra esfriar meus pés...
Se pendure outra fotografia,

Em forma de janela.

da chuva


milágrimas - mariana rotili - 2007

acordo mais feliz em dias de chuva. e absorvida pelo contentamento em casos de tempestade. o céu monocromático me autoriza a cultuar a lentidão. a orquestra de trovoadas e pingos grossos abafa os sons da cidade, ocultando o despertar do dia. seria um dia todo de noite se as janelas não fossem abertas. gosto de imaginar o mar revolto, a areia desenhada pela água e tudo o que é verde revestido de uma fina película de frio. penso em como cada um aproveita a chuva. queridos, conhecidos, estranhos. circulo em pensamento pelas casas, bares, pontos de ônibus. tenho pena dos barracos e dos cachorros de rua, mas prefiro o gozo do meu prazer solitário. tomara que chova para sempre.

sexta-feira, 6 de março de 2009

Vida Escolar

 

Família

 

Vovó foi professora durante toda a vida profissional, hoje aposentada pelo Estado de São Paulo. Mulher que desafiou os preconceitos da época para trabalhar fora e ter a sua independência financeira. Trabalhou por muitos anos nas escolas distantes dos centros urbanos, voltando para casa e para seu marido e filhas apenas nos finais de semana, sendo seu compromisso maior levar educação para as crianças da área rural. Mamãe seguiu seus passos. Largou a faculdade de biologia para terminar o magistério e lecionar nas escolas do subúrbio de São Paulo. As dificuldades encontradas nos meios menos favorecidos nem sempre são fáceis de serem encaradas, então quando viemos para Florianópolis, em 1990, mamãe preferiu suportar os caprichos da elite. Papai nunca foi um homem de muitos estudos. Tem o segundo grau e só, um trabalhador padrão. Muitas vezes acaba sendo uma decepção para seu filho, pequeno burguês, estudante da universidade federal e elite cultural do país, devido à ausência de conhecimentos próprios da academia. Nada de mais, apenas um desentendimento entre categorias: estudante e trabalhador.

 

Instituição

 

Aos 6 cheguei em Florianópolis, entrando para a escola que, supostamente, era a melhor escola da cidade e até os 15 foi educado entre as melhores, ou melhor, as mais ricas crianças da paróquia. Não é fácil para uma criança ter de ficar em casa nas férias enquanto seus amigos vão para a Disney.

 

Os professores, por outro lado, eram as criaturas mais insignificantes da instituição. Todas mulheres, suburbanas, mal casadas, semi-analfabetas. A lógica da administração era a seguinte: economiza-se com o corpo docente e se investe em estrutura e planos mirabolantes, como mandar os estudantes para os States por 2 meses (sim, esses projetos eram pagos, mas a escola conseguia se endividar assim mesmo, atrasando o pagamento dos professores todos os meses).

 

Na teoria é sempre tudo muito lindo. Escola alternativa, ensino construtivista, sua sede principal era num sítio longe do centro, com cavalos, piscina e coelhos, pena que estes atrativos eram mais coisas de vitrine, pois raramente tínhamos acesso a esses privilégios. A lembrança mais viva que tenho dos cavalos é de certa vez que um vizinho invadiu a escola no final de semana e enfiou alguma espécie de pau na vagina da égua. Ela teve de ser sacrificada. Não lembro o nome dela. Era o xodó da escola.

 

Não lembro de muitas brigas entre os estudantes, mas a violência psicológica era constante. Bullying era hobby entre os mais descolados. Nunca ri tanto na minha vida quanto ri certa vez na qual um menininho de uns 7 anos estava fazendo suas necessidades no banheiro quando um grupo numeroso de alunos com seus 14 anos entraram no banheiro e arrombaram sua porta, rindo e xingando.

 

Ah, detalhe, eu era bolsista, filho da professora, e todas as crianças sempre valorizavam esses pormenores.

 

Sujeito Escolarizado

 

Mas não sejamos ingratos, graças a esta escola hoje eu sei ler, escrever, tabuada e sei também identificar e evitar o contato com pessoas não tão interessantes. Baseado na teoria do milagre consegui desenvolver meu senso crítico e reverter o processo durante minha adolescência. A rebeldia dos 16 foram para mim um santo remédio.

 

Faço das palavras de Bernard Shaw as minhas: “the only time my education was interrupted was when I was in school”.

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

poesia coletiva


entre goles e baforadas, eis que sai o bendito! parido no bar do noel por um seleto e precioso grupo de faedianos, o poema tem um autor para cada verso, sendo que as seqüências eram escritas sem que se pudesse ver a frase anterior. sobre a ordem da escrita, não me "alembro" e minha memória não culpo, afinal, travesseávamos!


para aqueles que não são entendidos na arte de decifrar garranchos, segue a transcrição:

na travessa é que se funda

entre flores multicoloridas

a fumaça toma conta, transformando-se em música

entre todas as coisas que haviam no baú, nenhuma relíquia, apenas singelas vaidades

com amigos, cerveja e boêmia

palheiro, fumaça

a vida é uma piada!

e o tempo não traz de volta o que já passou.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Jânio do lotação.

Dia desses, em que o sol rasgava a visão de Jânio frente à avenida entupida, a muvuca comprimia-se lá atrás como sardinha enlatada. Desviou do carro achatado aos pés de um caminhão e seguiu com toda força de sua tensão. Foi pelo tom da campainha que Jânio retomou a concentração na faixa. Passou despercebido pelo ponto requisitado. A mulher com os peitos comprimidos explodiu em elogios:

- Ora seu vagabundo!

- Calma nega, o próximo fica à 1km.

- Desgraçado, será possível que essa campainha precisa berrar? Você não viu que puxei essa merda de corda?

- Não, a senhora puxou a descarga, porque a merda vai descer agora.


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Quando arrancava o ônibus os passageiros gritaram: Pára! Pára! Cavou o pé no freio e levantou-se:

- Ou! Que porra é essa?

Na porta uma perua espevitada equilibrava-se num salto 20 cm. Jânio solícito abaixou a alavanca.

- Queridinho tire o olho de minhas pernas e toque logo essa geringonça.

- Quando o diabo não vem ele manda a secretária!!

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Ao estacionar sentiu o aroma de alfazema. Jânio virou-se bruscamente a fim de reconhecer a origem do perfume. Era uma distinta morena com seus trinta e dois anos bem conservados num corpo delirante. Seguida por cinco crianças na ordem crescente dos tamanhos. Jânio olhou para o cobrador disparando:

- É, malandro. Mulé boa é um filho por ano.


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Jânio e o cobrador estacionaram o latão pela última vez na manhã daquela segunda-feira. Já passavam cinco minutos do horário do almoço. “Almoço” é só modo de dizer. A grana e o tempo só davam para comer algum “negocinho” no centro da cidade. Contaram as moedas no bolso e foram até o famoso “Hot-dog do Dito”. O Dito esbanjava simpatia:

- E aí rapaziada? Como que vão ser os dogs?”

- O meu eu vou querer sem milho e ervilha – pediu o cobrador.

- E o seu?, perguntou Dito, olhando risonhamente para Jânio.

- Ah, hoje eu vou querer o meu sem cabelo de saco.


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